EDUCAÇÃO EM SAÚDE (Parte 2):
ALGUMAS REFLEXÕES PARA
ESTIMULAR O DIÁLOGO SEMPRE NECESSÁRIO.
Domício Aurélio de Sá[1]
O SUS, mesmo subfinanciado, avançou muito com o protagonismo das gestões
municipais. Na prática o SUS começou a acontecer, a partir de 1998, com as
transferências federais de forma direta, sobretudo para os municípios. O Piso
da Atenção Básica – PAB permitiu a implementação de sistemas locais de atenção
à saúde, sobretudo com a expansão da Estratégia de Saúde da Família. Os avanços
não foram maiores, justamente, porque não se conseguiu dá continuidade a esse processo
numa lógica de organização de redes regionais de atenção especializada, na qual
os estados têm um papel fundamental de coordenação. Hoje, a atenção
especializada é o grande gargalo do sistema, que compromete, inclusive, a
resolutividade da atenção primária e acaba estourando nas emergências
hospitalares. Entretanto, essa transferência de responsabilidades para os
municípios não foi acompanhada de financiamentos adequados dos estados e da
União, gerando instabilidades, principalmente nos municípios de pequeno porte
(70% dos municípios possuem menos de 20 mil habitantes).
Agora, essa situação se agrava, sobretudo por conta da redução do
Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, um dos incentivos Federal,
sobretudo para as indústrias automobilísticas suportarem a crise do capitalismo
globalizado. Como o IPI compõe a base da receita do Fundo de Participação dos
Municípios – FPM as prefeituras estão em situação bastante complicada. E essa
crise rebate diretamente na Educação e na Saúde, reforçando que precisamos de
formas mais sustentáveis de financiamento. Porque não conseguimos fazer um
debate sério sobre uma Reforma Tributária? Porque o Governo Federal precisa ser
o “dono” do dinheiro da Nação? Será que não poderíamos ter um sistema de
arrecadação menos centralizado na União? Se as transferências diretas
promoveram avanços porque não diminuímos os financiamentos tutelados do MS?
Acredito que já temos maturidade para se avançar com políticas de Estado mais
sustentáveis, diminuindo as ações pontuais de programas de governos.
Novamente, voltemos à questão mais específica em tela, partindo do que
foi escrito na minuta da SGTES. Ela é de tamanha gravidade, pois inviabilizaria
qualquer possibilidade de participação da sociedade nessa área, ferindo
inclusive a LEI 8080/90, o Decreto 7508/11, que trata da regulamentação das
regiões de saúde e redes de atenção e a Portaria GM/MS 1996/07, que institui a
Política Nacional de Educação Permanente em Saúde – PNEPS. Portanto, a
discussão política, como sempre, precede e se faz necessária. Concentrar todo o
poder de planejamento/decisão na instância das Secretarias Estaduais de Saúde -
SES e Comissões Intergestores Bipartite - CIB é um grande retrocesso que é
muito perigoso, mesmo de forma temporária e bem “intencionada” (a História não
pode ser esquecida!). Isso praticamente acaba com os processos de
regionalização, que o próprio MS, recentemente, tem incentivado de forma mais
intensa e que os estados com muita dificuldade estão procurando avançar, com a
criação das Regiões de Saúde, Comissões Intergestores Regionais - CIR e
Comissões de Integração Ensino e Serviço - CIES, mas com funcionamento ainda
muito incipiente e fragilizado (Gestão sem poder, PDR sem PDI[2], redes
sem serviços, serviços sem profissionais, profissionais sem condições de
trabalho, trabalho sem vínculo, prestador sem regulação, discurso sem prática,
usuário sem atenção...). Dessa forma para que investir em Educação em Saúde?
Educação Permanente? Não há brecha na agenda.
Nesses termos, educação em saúde nunca será prioridade porque não é
estratégica para esse modelo vigente. Ela fortalece o trabalhador na busca de
reversão desse ciclo. Assim, ela é contra hegemônica, como todo processo
educativo que visa à emancipação cidadã e a transformação da sociedade (A tal
utopia revolucionária, hoje fora de moda). Como nosso SUS é ousado e
pretencioso! Mas essa é uma questão mais ampla e permanente para qualquer
cidadão (Ser crítico e não apenas consumidor). Não negamos os avanços, mas
temos muito para avançar e entendemos que é uma situação sempre processual e,
por isso, precisamos resistir a qualquer forma de retrocesso, mesmo os de
aparências mais sutis (“o Diabo mora nos detalhes!”).
A minuta parte de um “diagnóstico” muito simplista (sem analisar as
causas adequadamente). Ou seja, o problema de não gastar o dinheiro foi apenas
a existência dessas instâncias de participação mais descentralizadas (como se
as gestões centrais – MS e SES fossem as vítimas desse processo). E a
"solução" proposta para gastar o dinheiro (isso não tenho dúvida que
dessa forma aconteceria) é “liberar” as SES da necessidade de
pactuação/negociação com a sociedade organizada e representada nos poucos
espaços existentes. Na PNEPS, as CIES bem ou mal representam o tão desejado
quadrilátero (gestão, trabalhadores, usuários e instituições de ensino),
permitindo assim um maior envolvimento da sociedade na elaboração de
planejamentos regionais mais equânimes. Entretanto, de modo geral, as gestões
estaduais não têm demonstrado interesse nem empenho em participar das CIES.
Ora, se cada estado poderá “flexibilizar” as formas “duras” que o próprio MS
cria, não seria ainda mais necessária à participação das CIES no planejamento?
Queremos que todos os níveis do sistema cumpram de fato seus papeis, como
determina a legislação.
De certo modo essa medida, parece uma premiação para as gestões
estaduais que não demonstraram interesse (decisão política) em investir em
gestão do trabalho e na educação em saúde e muito menos na PNEPS, não constando
muitas vezes, nem mesmo, nos instrumentos de planejamento (PPA, LDO e LOA)[3]. Ao
contrário, há alguns anos que a discussão, principalmente por parte dos
gestores, é centrada na necessidade de “terceirização” da saúde, movido
principalmente pela dificuldade de contratar e gerenciar, sobretudo a categoria
médica. E, contra esse processo, os trabalhadores, por meio de suas
representações (sindicatos, conselhos e associações diversas), também têm
centrado toda a força reativa nessa pauta: a luta contra a “privatização /
terceirização” do SUS. Mas, essa luta tem sido inglória e muitas vezes
despolitizada, justamente pelos processos frágeis e fragmentados de educação e
participação social do nosso País. Um ciclo vicioso! Ah, cadê a classe
intelectual e “formadora de opinião”? De fato, sendo a academia mais “isenta”
dos efeitos das gestões (políticas de governo) poderia analisar mais
criticamente essas situações para além do sistema de produtividade da
CAPES/CNPq. Uma minoria se envolve de fato com questões de ordem
político-social, mesmo sentindo na própria pele as consequências. Ideologia?
Política? Participação? Movimento Sanitário? Parece que estamos ainda mais
movidos pelo tecnicismo e gerencialismo.
(Continua...)
[1]
Sanitarista Pesquisador da Fiocruz-PE / Membro da CIES - PE (I Região de Saúde
– Recife e CIES estadual).
(Texto
lido pelo autor na Reunião da CIES-PE, em 22 de novembro de 2012).
[2] PDR
– Plano Diretor de Regionalização; PDI – Plano Diretor de Investimentos.
[3] PPA
– Plano Plurianual; LDO – Lei de Diretrizes Orçamentárias; LOA – Lei
Orçamentária Anual.
Nenhum comentário:
Postar um comentário