quarta-feira, 7 de maio de 2014


OPINIÃO

CONSELHOS E CONFERÊNCIAS DE SAÚDE CUMPRIRAM SUA MISSÃO NOS 25 ANOS DE SUS?
 
Gilson Carvalho
 
Neste ano comemoramos 25 anos de SUS. Oficialmente ficou sacramentado na CF a saúde como direito de todos e dever do Estado brasileiro. Seu objetivo principal é o de garantir o tudo para todos, juntando integralidade com universalidade. As diretrizes constitucionais foram centradas em apenas três âncoras: integralidade, descentralização e participação da comunidade.
Como se concretizou a Participação da Comunidade na saúde nestes 25 anos? Conselhos e Conferências, sua manifestação prática, como caminharam e onde estão 25 anos depois?
Primeiro pensar que o SUS, em especial a participação da comunidade, foram gestados e se concretizaram bem antes da CF.  Todas as experiências públicas com primeiros cuidados com saúde (SESP, PIASS, APS deAlma Ata, Movimento Municipalista de Saúde etc...) partiram do pressuposto e ação de que a presença na gestão dos cidadãos usuários, era essencial para a saúde.
Assim foi, mais recentemente, nos embriões de SUS como as AIS (Ações Integradas de Saúde) em 1983 e SUDS (Sistemas Integrados e Descentralizados de Saúde) em 1987. Foi o condicionamento da transferência de recursos federais a Estados e Municípios, acontecido nas AIS, foi capaz de mobilizar tanta gente na discussão da proposta SUS. Assim se explicam os 5 mil participantes da VIII Conferência Nacional de Saúde.
Apostamos todas as fichas que, se trouxéssemos para dentro do sistema, para ajudar nagestão, os cidadãos usuários, o sistema de saúde seria arejado e muito maisefetivo. Chegamos a imaginar que iria acontecer a gestão quadripartite comoestá sacramentada na CF. 194. A idéia motora é de que devemos ter o cidadãodentro do “parlamento” da saúde com seu duplo papel de propor e controlar ao modo que deveria ser o legislativo brasileiro.
Conselhos e Conferências não como um quarto poder, mas um  órgão público (órgão da administração direta), um braço do executivo, mais perto e, hipoteticamente, sensível aos anseios e reclamos dos cidadãos usuários. Tivemos sucessos neste caminhar. Mas, só iremos melhorar e universalizar este sucesso quando corrigirmos inúmeras situações mal conduzidas e indutoras de erros cada vez mais graves.
Elogios todos fazem. Elogios desmensurados também são feitos por ideólogos teóricos que nunca foram participar de reuniões de conselhos e conferências. Não viram odesastre de muitas práticas neste dois fóruns por falta de conhecimento e prática. A prática pífia, desabonando a filosofia/ideologia magistral!
Neste texto quero fazer o “serviço sujo” de apontar erros que devem e podem ser corrigidos para que os conselhos e conferências de saúde sejam para o sistema o que imaginamos. Posição antipática, assumida por poucos. Só faço uma diferença como muitos outros: mostro erros e discuto soluções e propostas e me empenho para que aconteçam.  Acredito que a participação da comunidade, tanto no cuidado quanto na gestão é essencial ao sistema de saúde.
Vamos aos nós do problema:
v Centrou-se a formação e funcionamento dos conselhos e conferências de saúde na defesa dos aspectos filosóficos e ideológicos. Perdeu-se o foco legal operacional, sob a insubstituível e necessária  luzideológica, de trabalhar no plano de saúde e seu controle. 25 anos depois quantos conselhos entendem, contribuem, analisam, avaliam e aprovam o plano de saúde? Quantos fazem isto e o controle eficiente?
 
v Adotou-se a nomenclatura totalmente inadequada de “controle social” truncada, pelo conceito sociológico e ilegal segundo a legislação do SUS. O nome equivocado indicou o privilegiamento do controle e esqueceu-se do aspecto propositivo. Deixou-se de contemplar, com destaque, as duas funções legais como determina a legislação, implícita e enfaticamente.
 
v O endeusamento errado de controle social foi tão exagerado que hoje para muitos conselhos e conselheiros se personificou o termo: “o Controle Social decidiu, deliberou, vai punir, vai ser mandado para fiscalizar” etc. Controle social jamais pode assumir o lugar dos conselhos e conselheiros e ser nominado como substitutivo personificado de quem deve e pode exercê-lo: os conselheiros.
 
v Ao assumir como principal e única a função controle, perdeu-se a função propositiva de interferir nos planos de saúde tanto fazendo proposições, como aprovando-os. Perdeu-se de ser pró-ativo com responsabilidades na construção do direito pleno à saúde, como ator principal, sujeito histórico e não apenas conduzido por terceiros que, depois, terão que ser controlados e fiscalizados.
 
v Nada ou pouco se fez, a não ser pontualmente, para definir e consolidar os processos e rotinas de contribuição e análise dos planos. Nem foi feito o mesmo para efetivar seu acompanhamento e controle, preceitos constitucionais (hoje não mais explícitos nestes termos).
 
v As duas funções, proposição e controle,  vem sendo feitas, salvo exceções, sofrivelmente e na minoria dos conselhos. Muitas vezes apenas de maneira formal sem nenhuma repercussão objetiva e prática. Nem no antes, nem no durante, nem no depois.
 
v Ficamos na periferia do preceito legal discutindo aspectos filosóficos, políticos eideológicos do “controle social”, Deixamos para último plano, ou nunca focamos, nos aspectos filosóficos, políticos e ideológicos da dupla missão essencial: proposição e controle. Tem-se que estar objetivamente preparado para executá-la.
 
v Nos perdemos nos aspectos “político partidários” de disputa de poder dentro dos conselhos, através da representação dos segmentos. Consequentemente, pouco nos sobrou de tempo para o essencial. Muitas vezes passamos uma mensagem ruim eerrada: prevalece o partidário que defende a preponderância da parte, contra o todo. Falo em todos os “partidos” (o que não é do todo, mas da parte): políticos, religiosos, acadêmicos, de prestadores, de profissionais, de doentes e de pessoas com deficiência. Em vários conselhos dominam os grupos dos mais organizados  e/ou mais espertos.
 
v Estou cansado de ouvir que os conselheiros todos podem falar. É só pedir a palavra. Depois o anúncio:  “e na palavra do fulano encerram-se as inscrições!” Claro que todos podem e devem falar, mas dentro das regras democraticamente definidas. Esquecem-se que deve ter um rito matematicamente ligado ao tempo de reunião. Se há meia hora para discussão de determinado tema,  tempo de cinco minutos por intervenção, este só pode ser dado a seis pessoas e não se deixar livre a inscrição... o defender este democratismo avesso parece que a intenção sejamesma a de fugir da essência da proposição e controle.
 
v Não se pode deixar correr livre uma reunião que tem tarefas a fazer e hora marcada para início e término. Acaba não sobrando tempo para as discussões essenciais, substantivas. Quando começam estas avaliações e discussões, todos já estão cansados. Não precisa divagar longe. Analise-se o quórum no momento de apresentação e discussão da análise financeira pela Comissão de Orçamento eFinanças! Parece hora do recreio... quase ninguém na reunião!...  
 
v Democracia a ser defendida é onde se dá o direito de todos falarem democrática e disciplinadamente. Mas, não é aquela apenas travestida de democracia que quase sempre, desemboca no democratismo anárquico que, sob o pretexto de que todos podem falar, só falem alguns, sempre os mesmos, repetidamente!
 
v Reuniões dos conselhos acabam perdidas na periferia das questões no pouco tempo que lhes resta depois do início atrasado, da leitura e rediscussão de atas (com pedidos de explicação dos que estiveram ausentes!!!) , do prolongamento do tempo deavisos, das breves comunicações (transformadas em longas e sempre com pedido que conste em ata para depois mostrar para sua turma...), das questões de ordem etc.  Sobra quase nada do tempo para a discussão e aprovação do essencial: proposição e controle.
 
v Vimos na composição dos conselhos o segmento dos usuários valorizadíssimo no discurso, mas, na prática,  invadido e contaminado pela presença de outros segmentos que usurpam-lhe os postos. Destaque-se a ocupação dos postos de usuários por  servidores da saúde ou servidores públicos em geral. Todos eles investidos em representações de usuários por sermos todosusuários. Se assim fosse o raciocínio linear, ficaria justificada a presença, na mesma representação de usuários, da esposa e filhos do prefeito ou governador, ou dos próprios, todos sabidamente usuários! Também o governo usou deste artifício colocando pessoas suas no segmento usuário, com vínculo, dependência econômica e comunhão de interesses com o governo (imoral no Brasil e também ilegal em São Paulo). De quem deveria vir o exemplo (trabalhadores e governo) vem o mau exemplo de que seja lícito manipular.
 
v Nesta representação construiu-se a farsa de colocar governo e prestadores no mesmo segmento ao arrepio da CF e da Lei, sob pretexto de que ambos eram prestadores!!!!! No SUS governo é governo e prestador é prestador, com seusespaços próprios e sua representação individualmente definida e distinta, como expresso na Constituição Federal. Um é o regulador, controlador e fiscalizador e outro é o regulado, controlado e fiscalizado.
 
v Em que se transformaram nossas conferências de saúde? Tínhamos sonhos, ideais quando iniciamos a discussão de colocá-las na Lei de Saúde concretizando preceito constitucional da Participação da Comunidade. Fomos fundo criando uma grande corrente de mobilização popular começando pelas pré-conferências de bairros, distritos, municípios, regiões, estados e a nacional. Sonhávamos cumprir o preceito de colocar a centralidade da saúde no cidadão, individual e coletivamente. Quantos erros acumulados. Falta de propósito e perda do foco. Uma disputa de “partidos” e de escolha de quem vai a Brasilia e que segmento consegue sufocar o outro, valendo aí toda e qualquer contaminação. As cartilhas e palavras de ordens de segmentos dominantes (pessoas?) não podem ser evidências do espírito democrático de liberdade e igualdade. Não foram paramelhor exercício da “proposição e controle” constitucionais e legais! Se o processo é eivado de erros que se acumulam a cada conferência, consequentemente os resultados são pífios e, rotineiramente, desconsiderados na prática. Seupapel, distorcido, muitas vezes se encerra nela mesma.
 
v Muitas vezes predomina a prática do democratismo anárquico onde se defende o direito de falar, sem regras, sem disciplina de horários, em prejuízo da democracia cidadã, que tem regras. Definir regras democraticamente. Aprovar regras. Cumprir regras. Se elas precisarem ser mudadas não só podem, como devem  na sequência democrática da qual não se deve abrir mão: definir, aprovar e cumprir.
 
v  Finalmente uma antecipação. Julga-se que todos que apontam erros, desacertos, descaminhos, sejam contra a participação da comunidade e inimigos da democracia e da pátria. Inclusive antecipo a avaliação pela qual passarei!...
 
v ....
 
Poderia aqui continuar fazendo minhas anotações decepcionadas daquilo que sonhamos e não conseguimos. O que desvirtuou-se.
Sempre consertar é mais complicado e difícil do que começar certo. Primeiro tem-se que desmontar o errado para depois reconstruir.
Se falo em decepções é necessário entender que elas têm um conceito separado ediferente da desesperança. Continuo esperançoso e lutando para que Conselhos e conferências assumam o papel legal que é o dos sonhos, desejos e de cumprimento dos objetivos, funções, princípios e diretrizes do SUS.
A essência de sua missão é e continua sendo, a de participar da gestão quadripartite do SUS o que significa fundarmo-nos na essência e sairmos da periferia. Fazer PROPOSIÇÃO E CONTROLE. De manhã. De tarde. De noite
Precisamos investir nesta habilidade de saber planejar e controlar. Não será com questões fosfóricas de participação que conseguiremos fazer estas ações da melhor maneira.
Nem nos cursos e manuais que tenho visto, nem em processos de educação permanente dos Conselhos têm sido apresentados modelos de como na prática se contribuir com o Plano de saúde, acompanhá-lo e controlar sua execução. Fazer a associação essencial com as leis orçamentárias em conteúdo e prazos legais. O mesmo sediga do acompanhamento da execução  orçamentária, a única maneira de avaliar qual política de saúde estásendo executada.
O caminho sempre foi um só: aprender a fazer e acompanhar planejamento e finanças, e também resultados objetivos.
A ferramenta é educação permanente objetiva e menos pífia do que ocorre hoje.Educação permanente dos que já estão conselheiros e dos futuros que deverãoestar sendo preparados nos conselhos gestores locais e de outros celeiros.
Nossa prática sempre foi de colocar o dedo nas feridas e ao mesmo tempo mostrar caminhos. O primeiro caminho é sempre reconhecer o erro. Reconhecer que se vai mal.
Ninguém tem gana e garra de mudar aquilo de que está convicto de que esteja às mil maravilhas.
Cobrir-se dos trapos da  humildade.
Identificar e reconhecer erros, como primeiro passo para sair deles, construindo o melhor!
Se nós quisermos, vamos melhorar.

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